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Perto dos Sentimentos - Parte I

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 28 de jan. de 2021
  • 8 min de leitura

Atualizado: 10 de abr. de 2021

Texto longo, mas perfeito para quem tem sede de conhecimento e autoconhecimento. Vá até o fim e será presenteado com uma bela experiência.



VAMOS FALAR DE NEUROSE?

Para começar a falar deste assunto quero antes esclarecer o que é para mim este conceito. Dentro da psicologia costuma-se chamar neuróticos normais a maioria da população. Quero esclarecer um pouco sobre isso.

Eu entendo e trabalho com este conceito de acordo com a psicanalista Melanie Klein. Ela fez uma leitura detalhada do trabalho de Freud e modificou algumas coisas primordiais para o que estava entendo a partir da observação de crianças muito pequenas. E um desses princípios, foi o entendimento da neurose. Para Freud a neurose era tida como algo diferenciado, no sentido que poderia trazer problemas a quem sofria dela e estava na raiz da histeria. Acreditava também que a neurose era fruto do complexo de Édipo mal resolvido e que este se dava por volta de 7 a 8 anos de idade, podendo começar um pouco mais cedo e terminar um pouco mais tarde ou não terminar nunca. E ainda se acreditava que as mulheres eram as grandes vítimas da histeria. Hoje sabemos que não é assim. Existe sim um equivalente da histeria para os homens e muitos meninos e homens sofriam e ainda sofrem com problemas advindos de conflitos neuróticos.

Melanie Klein começou observando crianças muito pequenas, abaixo de três anos de idade, faixa etária que Freud não se sentia à vontade para pensar e estudar talvez por acreditar que a organização emocional acontecesse mais tarde, mas também porque bebês eram tidos como assunto de mulheres. Não estou querendo dizer aqui que Freud era machista. De forma alguma. Ele foi uma pessoa extraordinária. Merecedor do título de Pai da Psicanálise e será para sempre lembrado e respeitado pelas suas inteligentes e agudas observações e descobertas. Por mais que se façam avanços na neurociência e psicologia positiva, nada seria possível sem o seu trabalho genial.

Gostaria ainda de apenas citar para um maior entendimento do que estou dizendo a crença que prevaleceu durante muitos anos que a criança era uma página em branco e que ela seria fruto do que se escrevia nela. Sabemos hoje do absurdo desta crença embora seja notório que a maior parte das pessoas ainda não compreendem o tanto que os bebês reagem e compreendem o seu primeiro ambiente que é a mãe e o ambiente subsequente: pai, irmãos e avós.

Melanie Klein percebeu que elas voltavam suas preferencias para o pai do sexo oposto muito antes do que Freud acreditava e é esta configuração emocional que caracteriza a neurose infantil. Melanie Klein entendeu também que era uma etapa que todos os bebês passavam e que se não bem resolvida eles poderiam retornar – o que se acreditava que seria uma regressão – para acrescentar alguma compreensão emocional à sua organização de personalidade. E foi assim que Klein criou o importante conceito de “posição” abolindo fase, estágio, etapa do vocabulário psicanalítico. O conceito de “posição” contém movimento em seu âmago. Não é estático nem imutável. Pode ser sempre reformulado e acrescentadas coisas novas. Para dizer, de uma forma bem simples, após o conceito de “posição” de Melanie Klein entendemos que o desenvolvimento emocional se dá três passos para frente, um para trás – reformula alguma coisa, cinco para frente.... e vamos assim ad infinitum. Sim, o desenvolvimento emocional termina só com a morte ou talvez nem depois dela. Mas esta é uma proposição de van guarda ainda sem dados suficientes para se falar dela.

Dentro da psicologia costuma-se chamar neuróticos normais a maioria da população.

A neurose infantil ou posição neurótica é uma fase do desenvolvimento emocional que todos nós passamos. É a fase onde a criança conhece, desenvolve, assimila, incorpora, internaliza a sua identidade sexual. Ela, a criança, menino ou menina, irá descobrir nesta época se o seu corpo e/ou como ela se sente (as duas coisas estão intrinsicamente ligadas e qualquer variação requer um estudo detalhado) é parecida com seu pai ou sua mãe e será um indivíduo do sexo feminino ou masculino. Todas essas variações inventadas por força de circunstâncias fora do nosso controle, variação de gênero, gênero diferente de sexo fisiológico, tudo isso é, na minha opinião proposições prematuramente afirmadas, instintivamente concebidas. O ser humano ainda não se conhece o suficiente e por dificuldade de reconhecer em sua realidade fatores que exigem um pouco mais de estudo e paciência para a compreensão idealizam saídas e soluções mágicas sem dizer, muitas vezes, de influência política.

Muito bem. Dito isso, podemos entender que a partir dos 18 meses e até o final do terceiro ano de vida todos os elementos necessários para a organização da personalidade já estão presentes, mas é a partir do quarto ou sexto mês de vida que é dado o start para o desenvolvimento da neurose infantil, concomitantemente ao início da posição depressiva – a segunda posição em ordem cronológica e de importância para o desenvolvimento emocional do bebê. É quando o bebê passa a perceber a mãe como uma pessoa inteira e se relacionando com figuras além dele, bebê, e principalmente uma figura deveras interessante, o pai, que tem coisas muito boas para dar e agradar à mãe e que são importantes a ela.

É nesse momento também que passa a operar um mecanismo bastante conhecido de todos e que Freud falou dele em abundância: a repressão. Para ele este era o mecanismo básico do funcionamento mental. Antes dessa época, nos primeiros três meses de vida, e de acordo com Klein, há um equivalente da repressão que atua de forma mais profunda. O papel da repressão para o desenvolvimento da neurose é básico pois ela tende a afastar do consciente ou do eu, ou do ego, como queiram, os nomes são o menos importante, sentimentos difíceis para a personalidade tenra e imatura do bebê lidar e esse é o funcionamento básico do neurótico: quanto mais sentimentos forem reprimidos e trancados no inconsciente maior o grau de neurose. Falei de forma simples, mas não estou barateando o quadro. Traz sofrimentos para aquele que desenvolve e não é simples de se reverter.




​ – Ah Rosana, falou muito para chegar só nisso?!
É que o "só isso" é muito! Muita água rola para as coisas se organizarem ou configurarem, usando um termo muito atual e de fácil compreensão.

Para compreendermos tanto os nossos sentimentos como os do outro precisamos nos desvencilhar do didatismo e driblar a repressão.

Vou falar então conjuntamente de neurose e solução dela de forma... diferente:


Imagine que você está em uma colina. Existe um caminho sob os seus pés. Um caminho de terra batida ou grama muitas vezes pisada. É um caminho que leva a uma casa e termina nela. Uma casa que te convida a se aproximar. Você segue o caminho e a casa vai se tornando maior e mais real com a proximidade. Você abre um portãozinho que protege o jardim, "inhéééc". Há uma certa resistência no portão por causa da ferrugem. Você entra. Há canteiros de flores neste jardim, mas também há canteiros que não foram terminados, parecendo até uma tentativa de compor uma horta. Algo que não foi para frente. Tem uma torneira que pinga. Você aperta a torneira. Volta o olhar e procura... a porta. Vai em direção dela e toca com a mão na maçaneta. Experimenta girar e faz um click – está destrancada.

A tarde está tranquila e arejada. Você se sente seguro (a) em entrar e é o que faz. Entra e experimenta o chão da casa. É um piso de tacos, alguns estão descolados e oferecem uma certa instabilidade ao seu pisar, mas isso não atrapalha e você avança. Olha em volta, é uma sala. Tem um sofá, algumas poltronas e uma mesa de centro, grande. Não precisa acender a luz, tem uma fresta de luz natural entrando pela cortina ligeiramente aberta, mas se você quiser pode. Na extremidade do sofá tem uma espécie de bola com duas hastes espetadas nela. Você não entende o porquê, mas te faz sentir saudade. Existem almofadas nas poltronas, de diversas cores. Umas à frente e outras atrás. Será que as que estão na frente estão mais íntegras? E as que estão atrás estariam com alguns rasgos? Alguns furos pelos quais estão saindo parte da espuma ou algodão do recheio? Você só pensa, mas não toca. Levanta o olhar para os lustres. Cristais que fariam barulho se o vento entrasse? Talvez. Parece que vê, por um momento, uma teia de aranha. Você não tem medo. Mas não consegue ver mais. Tem um móvel grande que você nem reparou ao entrar. É um misto de estantes abertas que provavelmente abrigariam livros e objetos e uma parte com portas fechadas a chave. Uma dessas portas parece não bem fechada, como se estivesse segurando muita coisa lá dentro, mais coisas do que naturalmente caberia naquele espaço. Você fica olhando para aquela porta por alguns momentos, mas um desenho no chão feito por um facho de luz chama a sua atenção para um outro ambiente. Você caminha até ele e vê que é uma cozinha. Uma mesa e quatro cadeiras, uma delas é diferente, um pouco mais alta. Tem fogão, geladeira e uma pia branca ou quase. Existem gavetas em baixo da pia e uma delas está semiaberta. Você olha dentro sem tocar. Há metais dentro dela que brilham como retorno da luz que entra pelo vitrô. Entre os metais há um pedaço de madeira que desperta a sua curiosidade. Você olha, mas não toca. Resolve sair dali e voltar à sala.

Na direção da porta da cozinha há uma escada com corrimão de madeira. Você resolve subir. Tanto a madeira do corrimão como a dos degraus são macias. Parecem até ajudar você a subir como se existisse um mecanismo de levitação e você sobe degrau por degrau, um de cada vez, e chega num corredor cheio de portas. Resolve ir até o fim do corredor onde há uma porta maior, na verdade dupla. Você entra e percebe uma cama larga que dá para dormir duas pessoas, talvez três. Tem um lado da cama que está com os lençóis esticados e lisos. Tem algo no criado mudo, parece uma tigela pequena com farelos difíceis de definir. Você olha para o outro lado da cama. Há mais iluminação ali. Tem uma mesinha de cabeceira deste lado da cama, mas você não identifica o que há em cima dela. Algo além de um abajur. Os lençóis, desse lado, estão ligeiramente desarrumados, parecendo que algo aconteceu ali no último momento e nem deu tempo para a pessoa arrumar as cobertas. Existe neste quarto uma penteadeira com escovas, pentes e perfumes com um espelho embaçado, mas você não dá atenção a ele. Têm muitos quadros nas paredes. Há algo em seu íntimo que te chama para fora dali. Você sai.

No corredor há uma porta bem próxima a desta que você saiu. Sem parar para pensar você entra. Nesse quarto há uma cama pequena, parecendo um berço porque há grades em volta. Tem um brinquedo dentro, mas não dá para perceber do que se trata. Tem também uma poltrona com uma almofada bem esquisita, parecendo uma barriga. Mais nada que te chame a atenção e você sai.

Caminhando para o início do corredor há mais duas portas. Você fica em dúvida e resolve entrar na penúltima, a que tem na madeira da porta uma parte que é de um vidro grosso, cheio de bolotas. Essa porta é um pouco mais estreita do que as outras. Você entra. É um banheiro e apesar de que a casa está vazia não dá para saber há quanto tempo. Ele está limpo. Têm escovas de dente na pia, dentro de um copo. Um sabonete rachado porque seco. Nada mais te chama a atenção ali e você resolve sair, mas antes de sair você repara que há algo no chão. É uma revista, aberta e jogada. Você abaixa para olhar mais de perto e repara que uma página foi rasgada. Você nem imagina porquê e sai.

Na última porta, bem perto da escada há uma cama que caberia uma pessoa. Tem um guarda roupas, um gaveteiro e uma estante com livros. Num canto da estante os livros parecem desarrumados. Você se aproxima. Tem algo atrás dos livros, como se precisasse ser escondido. Você olha em seu relógio de pulso ou na tela do seu celular e vê que horas são. Lembra de um compromisso e sai do quarto. Desce as escadas fazendo barulho. Sai da casa e se dirige ao portão. Chega a colocar as duas mãos no ferro superior para puxá-lo para dentro. Neste momento você para.

Essa casa lhe parece familiar. Tem algo nela que insiste que você pense. Tente se lembrar. E você se recorda. Essa casa é sua! E você nem se lembra mais de qual compromisso precisava comparecer. Nada é mais importante do que voltar. É isso o que você quer fazer.


Continua na próxima semana


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