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A HORA DA INSÔNIA 14

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 18 de set. de 2020
  • 8 min de leitura

Uma [leitura] rapidinha. Não vá dormir sem ela.





Cenas do capítulo anterior:

O casal, Ele, encontra uma carta no piso da caixa em que estava a gatinha bebê siamesa que foi deixada na porta da casa onde eles moram. Enquanto Ela dá uma mamadeira de leite de gata para a bebezinha escuta o esposo ler o que dizia a carta:

“Querido casal. Por favor, leiam até o fim antes de me julgarem.

Há três dias eu saí do hospital. Sou cardíaca e peguei COVID 19. Fiquei internada por mais de um mês e o prognóstico não era nada bom para mim. Sou uma pessoa sozinha. Não tenho família. Vivo só eu e minha gata, no meu apartamento. Ela é minha família.

Quando me contagiei com o coronavírus, por causa da minha condição de pessoa cardíaca, precisei ser imediatamente internada. Pedi muito, na verdade implorei à minha vizinha que cuidasse da minha gata. Ela se prontificou, mas deixou claro que cuidaria dela até eu voltar. Como eu já tinha deixado claro que a minha situação era muito delicada, ela foi franca e disse que não tinha intenção nenhuma de adotar a gata caso acontecesse o pior comigo.

Eu expressei gratidão porque naquele momento era exatamente o que eu precisava. Alguém que fosse cuidar da minha gata na casa dela, ou seja, na minha casa que é dela também.

Durante a internação trocava mensagens e ela me dizia que estava tudo bem, mas eu não tinha boas notícias de minha parte. Eu só piorava. Raros eram os momentos que eu tinha força para mandar mensagens a ela. Teve um dia que os médicos me disseram que seria entubada e que para que eles cuidassem melhor de mim induziriam um coma. Eu só pensava na minha única família. Ela não poderia ser abandonada. Pedi ao médico para eu mandar uma última mensagem à minha vizinha. Ele sabia da situação e concordou.

Escrevi e disse que eu não estava confiante de sair dessa viva. Expressei gratidão por tudo que havia feito pela minha criação, mas agora eu ficaria mais tranquila se ela levasse a gata à mesma ONG onde adotei. E foi assim que a Filomena foi parar na ONG para adoção. Quando surpreendentemente eu me recuperei e fui para casa, liguei para a ONG e ela já tinha sido adotada apesar de que vocês não tinham ido ainda buscar. A pessoa com quem falei e expliquei a situação me orientou para eu estar lá, no dia seguinte que ela intermediaria a conversa entre eu e vocês e poderia acontecer de saírem dali, no dia seguinte, dois animais felizes. Eu com a minha Filomena e vocês com um outro gato que poderiam escolher.

Mas o que aconteceu? Quando eu cheguei na ONG com uma sacola de doces que levei para vocês para expressar a minha gratidão, a Filomena já estava dentro do carro. Depois que ela partiu fui saber o que tinha ocorrido e as pessoas que estavam lá não estavam sabendo de nada. Uma outra pessoa da equipe, a que tinha falado ao telefone comigo, havia sofrido um acidente, naquele dia mesmo, a caminho da ONG e as pessoas estavam ali cobrindo a ausência dela.

Eu não contei a elas o que pretendia fazer. Enquanto elas me contavam o acontecido eu li no documento que estava em cima do balcão o endereço de vocês. Elas não me dariam, que eu sei. Fiz um esforço enorme para memorizar e me apresentei para adotar uma gata. Só tinha essa siamesa bebê, que fiquei apaixonada. Tentei não me envolver muito, apesar de que alimentei e cuidei dela tempo suficiente para planejar o que faria.

A minha proposta, proposta não! O meu pedido. Na verdade, estou implorando. Eu me retratarei na ONG. Se vocês não quiserem ir lá, não tem problema. Elas telefonam para vocês do telefone que têm no seu cadastro. Não precisarei fornecer telefone algum, pois eu nem tenho o número do seu telefone. Eu peço que vocês me entreguem a Filomena e eu irei na ONG, me retratarei, assinarei qualquer documento necessário e direi a eles que vocês irão lá atualizar o documento da bebê siamesa. Eu peço. Eu peço não, eu imploro.

Por favor, troquem a Filomena pela gatinha. A Filomena está comigo há cinco anos e com vocês está há pouco mais de um dia. Eu estarei aqui fora esperando a cesta com uma das gatas, mas eu imploro, que seja a Filomena”

Ele pergunta a Ela: O que iremos fazer?


Episódio desta semana:

– Meu bem! Que maluquice é essa? Eu não estou conseguindo pensar em nada disso. De repente temos três filhos e precisamos renunciar a um deles? Ou a uma delas?! Me explica! É isso que estou ouvindo?

Ela estava visível e surpreendentemente alterada. Era sempre ela a primeira a pôr o pé no chão da realidade, bem, nem sempre, estava sentindo um misto de calor e calafrios atrás da nuca. Suas mãos e pés estavam úmidos e suas faces coradas como se tivesse saído de um banho quente ou de uma sauna.

Ele, que tanto se apoiava no equilíbrio dela, mas também havia momentos em que a amparava, viu-se, entretanto numa situação bastante delicada. A ideia de adotar uma parceira para o Gato Tom – aquele cafajeste que estava roubando o seu lugar ao lado de sua amada na cama – trouxe para a tranquilidade do lar que eles tanto cultivavam um drama do nível de A escolha de Sofia...





– Querida, calma! Você está amamentando. Não pode se alterar deste modo...

– Meu bem, eu não estou amamentando. Estou alimentando a gatinha...

– Ai, que bom! Essa é a mulher com quem me casei.

– Ok! Independente de qualquer coisa, não estou me sentindo em condições de fazer uma escolha dessa. Se eu escolher agora uma delas poderei me arrepender e se deixar para mais tarde estou certa que não poderei renunciar nenhuma...

– Querida, a mãe da Filomena está lá fora e nós não podemos convidá-la a entrar na nossa casa. Seria imprudência de nossa parte. Eu sei que a ideia de buscar a gata Marri que virou Filomena e que virou Filó foi minha por causa desse gato safado!!!

– Meu bem, vamos deixar o Tom fora da questão?

– E você sempre defendendo esse cafajeste....





– Meu bem, não estou defendendo ninguém, só estou dizendo que não há culpados pelo que estamos vivendo. Você está se culpando desnecessariamente.

– Certo. Tem alguém lá fora esperando uma decisão nossa e essa pessoa está em baixo de um sol forte. Vamos nos colocar no lugar dela...

Enquanto o casal tenta buscar uma solução com lucidez e sabedoria para a situação a dona ou a ex-dona da gata Filomena se espremia em uma sombra de árvore jovem de tronco e copa frágeis. Ela tinha uma sombrinha que trouxe pensando que poderia precisar esperar por algum tempo, mas não esperava que fosse tanto assim.

De repente, ela vê o homem abrir o portão da casa e colocar a caixa onde deveria estar a gata tão ansiosamente esperada. Ele deixa a caixa e antes de entrar arruma bem a parte de cima. Parecia uma tampa que ela não tinha se preocupado em pôr porque a gatinha não ia ter forças para galgar as paredes da caixa e fugir. Bem, se eles tamparam a caixa, então era a Filomena que estava dentro. Esperou ele entrar e, num ímpeto, largou a sombrinha e foi até a caixa resgatar sua família.

Quando abre a caixa, uma surpresa. Vazia! Ficou estatelada! E agora, como voltar à estaca zero? Ela não tinha nenhum plano B, pois estava certa que eles não se importariam em fazer uma simples troca de gatos. Não considerou, entretanto, que para eles não seria uma coisa simples de tratar.

Não soube quanto tempo permaneceu com o olhar fixo na caixa vazia e buscando se situar, buscar um novo recomeço....

– Sorria. Você está sendo filmada!

Ela quase saltou de susto e endireitou a postura. Da varanda sombreada surgiu o casal – Ele, com a Gata Marri Filó Filomena nos braços e Ela com a bebê siamesa envolta em panos e mamando em uma pequena mamadeira. Ao lado deles, no chão. Um gato siamês, Tom, com uma cara de enfado. Tudo isso acontecendo bem na hora da minha soneca matinal. Mas também queria saber qual seria o final da história. E Ele, o homem do casal, estava realmente com um celular, filmando tudo,

– Ahn, desculpe incomodar...

– Não está incomodando, não, quer dizer...

– O que minha esposa está querendo dizer é que compreendemos a sua situação e o seu sofrimento. Só não podíamos simplesmente despachar uma das gatas assim, simplesmente pondo um animal, na roda dos enjeitados.

– E então, vocês conseguiram compreender minha atitude?

– Claro que compreendemos. Não significa que sabemos o que fazer. É uma situação bem delicada. Nunca me imaginei frente a uma situação desse tipo.

– Senhora – Ela disse – adoção é uma coisa muito séria. Muita coisa acontece dentro da gente antes de efetivarmos o ato de adoção. E gostaríamos que a senhora entendesse que, não é porque se trata de felinos que fica fácil de resolver. Somos totalmente envolvidos com a nossa criação.

A mãe original da Filomena responde:

– Fico muito feliz em ouvir isso. Também vivo a adoção de forma séria e completa. Todo o tempo em que fiquei no hospital, só pensava em minha cria e que ela não estava segura porque a vizinha deixou claro que não queria adotar, caso eu não voltasse. E pensando, exatamente nesse aspecto em que concordamos: vocês ainda não fortaleceram o vínculo com a Filomena. Vocês nem sabem direito como irão chama-la...

– Como a senhora sabe disso?

– A pessoa da ONG com a qual conversei me disse que o seu marido estava pensando em mudar o nome dela e ela, a responsável pela ONG disse que não tinha problema. Que eles aceitam bem a mudança. O importante para eles é se sentirem aceitos e amados. Mas para mim a Filomena já tem a sua identidade e a sua história. Se eu estou aqui e fiz tudo o que fiz é porque a quero de volta. Escrevam uma nova história com e para a gatinha bebê, estou certa que quando vocês se lembrarem deste fato, será uma boa lembrança e que souberam escolher.

Ela olha para o parceiro de vida e depois para o gato Tom que boceja...Vai logo, deixa a Filó ir. Ela nem sabe dormir. Essa pequenina é das minhas... Por que será que os humanos precisam pensar tanto?

Ele diz:

– A senhora se importaria, antes de comunicarmos a nossa decisão, de ler em voz alta a carta que escreveu e assiná-la para que eu grave. Prefiro que seja assim, no filme que enviarei à ONG?

– Sim, claro! – Lê a carta que pega da mão dele e depois assina. Ele filma ela assinando e volta para o lugar onde estava.

– Bem! Vocês já decidiram então?

Os dois dão um passo na sua direção, Ela com a gatinha bebê siamesa no colo e Ele com a gata angorá branca nos braços. Quando param, a Filó mia de reconhecimento e uma lágrima rola dos olhos cardíacos de chorar. Eles se olham e Ela se volta para dentro da varanda enquanto Ele sai para a calçada e entrega a preciosa família à Senhora. Ela soluça entre risos e lágrimas. Assenti com a cabeça. Foi a única maneira que conseguiu de expressar gratidão. Ele entra e passa o braço no ombro da parceira que também sorri, confirmando simpatia pela humanidade que havia dentro daquela mulher e que era, sim, tão parecida com Eles. A Senhora faz menção de ir embora quando Ela diz: Espere! A Senhora se volta.

– Como foi que a Senhora escolheu os doces para pôr na sacola? Eram os meus favoritos. Principalmente os pães de mel e tinha muitos pães de mel?

A Senhora olha para o chão, mas estava claro que olhava para o nada e responde:

– Eu sonhei...




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