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A HORA DA INSÔNIA ONZE

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 7 de ago. de 2020
  • 6 min de leitura

Uma [leitura] rapidinha. Não vá dormir sem ela.



Como todo insone que se preze, Ele tinha sono pesado pela manhã e era difícil de acordar cedo. E sonhava...


Estava caminhando por uma trilha de terra, dessas que são feitas por caminhadas sucessivas de pessoas que vão abrindo a passagem nos locais que oferecem menos obstáculos. Ele estava cego e o Gato Tom era o seu cão guia. Curiosamente Tom também usava óculos escuros, mas ele enxergava. Disso Ele tinha certeza e sentia muita segurança vinda daquele guia. Num determinado local da trilha havia uma árvore caída, atrapalhando o caminho. Como um bom cão guia, o Gato deveria parar na frente do obstáculo, sinalizando assim ao seu dono que ele também deveria parar e perceber, com o galho que usava na outra mão qual era o problema à frente. No tronco da árvore caída havia um oco e desse oco saiu um gambá, despertando a curiosidade do Gato Tom e como a natureza fala mais forte, ele se adiantou para cheirar o gambá e isso fez com que seu acompanhante chocasse com a árvore e se esborrachasse no chão. Os seus óculos escuros voaram longe e então percebeu que estava enxergando.

Levantou-se e sacudiu a poeira das calças e camisa e enquanto o Gato e o gambá brincavam de pega-pega, uma hora o Gato perseguia o gambá, noutra hora era perseguido por ele. O ser pensante do trio, em uma tarefa de Hércules, levantou a árvore do chão como se fosse uma planta mirrada qualquer e a levou de volta ao local de onde foi arrancada por algum vento desastrado. Enterrou suas raízes, dando tapas que ajudavam finca-las mais. Dobrou os braços para que seus muques saltassem, só faltando um cachimbo e um bonezinho de marinheiro para se parecer com Popeye quando engole uma lata de espinafre.

Chamou o Gato Tom para que continuassem o caminho. Num determinado ponto a trilha fazia uma bifurcação e ficaram em dúvida por onde seguiriam até que Ele viu, no caminho que ia para a esquerda um coelho preso em uma gaiola. Sem pestanejar entrou naquela trilha e soltou o coelho que era todo branco com o interior das orelhas cor de rosa e os olhos vermelhos. Ficou pensando como uma criatura de olhos vermelhos poderia ser tão bonita. E chamava o Tom insistentemente. Queria mostrar o novo amigo que, já estava decidido, seria o novo morador da casa. Mas o Gato nem dava bola para eles. Parecia estar dividido entre duas direções, o lado do dono que o chamava insistentemente e a direção oposta. Ficava alternando a cabeça para um lado e outro até que despertou a curiosidade do dono que resolveu olhar na direção em que o Gato Tom olhava e percebeu que vinha um som daquela direção. Passou a prestar atenção.... Vem! Vem! Vem!

– Meu bem! Meu bem! Meu bem! Está na hora de você ir...

– Hum? O que?

– Meu bem, você combinou com a responsável pela ONG que dez horas estaria lá para pegar a Gata Marri Filomena....

– Quem?

– Meu bem, lembra que você tem que ir buscar a gata que adotamos?

– Ah, claro que lembro...

Ele se levanta, espantando o sono das pálpebras

– Não vou nem tomar banho. Vou deixar para a hora deu voltar.

– Sim! Quando você voltar é mais importante. Já para na lavanderia e tira a roupa lá e coloca na máquina de lavar. Vem para o banho só de cueca...

– Certo, certo. Essa parte é fácil.

Ele se levanta, pega uma roupa surrada, toma um chá e engole um bem-casados que ainda tinha do presente que deu à esposa. Veste a máscara, mas não sem antes beijar a boca da amada.

– Quer repassar o passo a passo?

– Não, meu bem, vou ficar mais tenso.

Vai até o carro, trocando os chinelos, deixando dentro o que era de casa, calçando um só para alguns passos na garagem e tirando esse para entrar no carro onde havia um tênis para dirigir até a ONG. E parte.

Passados alguns minutos Ele liga para Ela...

– Meu bem, tem duas obras próximas à ONG. Uma na rua da ONG e outra numa rua lateral. Já dei duas voltas e não acerto a rua que vai me dar acesso ao quarteirão da ONG. Ligo para lá e não consigo falar. Liga você e explica a situação. Diz que estou perto.

Dali a alguns minutos Ela retorna...

– Meu bem, a responsável disse que tem um compromisso importante, que não poderá se atrasar. Poderá te esperar até onze e meia.

– Ok, ok. Já consegui entender a lógica da coisa. Estou na rua da ONG. Avisa você que estou chegando. Só vou dar um toque de buzina.

Andou alguns metros e parou. Bee! A responsável saiu da casa com a Gata Filomena na caixa de transporte. Abriu a porta do passageiro com um sorriso revelador da alegria de mais uma adoção de sucesso. Colocou a caixa de transporte no banco do passageiro e disse que daria a volta para ele assinar o documento de adoção responsável. Tendo ela dito isso, Ele se lembrou. Apalpou o bolso da camisa e descobriu que não tinha bolso, estava com uma simples camiseta velha. Começou a procurar por uma caneta perdida no porta-luvas que deveria se chamar porta-trecos, não encontrou. Olhou no porta-trecos, esse sim, ao lado do banco: moedas, balas, chicletes e nada de caneta. Essa mania da gente, hoje em dia, anotar tudo no celular... Certificou com o olhar que tinha deixado um álcool gel, ali, para qualquer eventualidade. Pediu a caneta da responsável para assinar o documento e enquanto assinava notou que uma pessoa abria uma das portas de trás do carro, a de trás do co-piloto e colocou algo no piso do carro. Tão entretido em ler o documento que assinava e não se distrair para não esquecer de higienizar a mão depois de devolver a caneta que nem perguntou o que era. Agradeceu, levantou o vidro, travou as portas e saiu.

Mais relaxado, passou a conversar com a Gata...

– Eu acho que você vai gostar muito da nossa casa. Tem um gato safado lá, mas ele vai te respeitar. Isso eu garanto. Te garanto com a minha vida!... Quer dizer que seu nome é Filomena?! Nós tínhamos pensado em Marri, mas foi antes de sabermos que você tinha nome. Vamos respeitar sua identidade. Podemos te chamar de Filó? Filó é um bom nome para uma gata. O que você acha? Eu estou vendo nos seus olhos azuis que você gostou de Filó... Pronto, chegamos!

Abre o portão vazado com o controle automático e entram.

Sai do carro com a gatinha nos braços e a entrega a Ela. Volta até o carro, tira a caixa de transporte e lembra-se do objeto no piso de trás. Vê que era uma sacola. Deixa na garagem junto com a caixa de transporte e entra pela porta dos fundos já tirando a roupa, como foi o combinado. Enquanto se dirigia ao andar de cima intimava a esposa:

– Nada de seduzir a gata na minha ausência. Espera eu terminar o banho para nos apresentarmos juntos a ela.

– Claro que não, quer dizer, que sim. Vou te esperar sim. Vou só mostrar para ela onde tem água e ração e onde é a caixa de areia dela... Como se Ele não tivesse aproveitado a volta para já ir conquistando a bichana...

E o Gato Tom, ressabiado, só observava. É uma coisa ver uma imagem atraente numa tela de vidro e outra coisa ver a mesma imagem viva, na casa da gente e roubando a atenção dos meus donos, só para ela. Mas a cauda do Tom, grossa e arrepiada, denunciava que estava doidinho para começar a perseguir aquele objeto vivente e estranho.

Quando Ele voltou do banho...

– Querida, vamos chama-la de Filó. O que você acha? Não é um bom nome para uma gata?

– Sim! Gostei.

– Vai levar um tempo para ela se ambientar à nova casa e ao Gato Tom. Ele também vai precisar de um tempo.... Ah, veio uma sacola junto. Acho que são coisas da Filó. Brinquedos, sei lá o que mais. Vou buscar na garagem

Busca a sacola, higienizando a alça antes de tocá-la e a traz para dentro.

– Meu bem, vem aqui ver o que tem dentro da sacola...

Ela vai e fica extasiada, com um sorriso incontrolável. A sacola estava cheia de doces. Caixas de bombons do seu preferido, tabletes de chocolate ao leite e amargo, brigadeiros, cajuzinhos, pé de moleque e de moça, pães de mel, muitos pães de mel e no fundo da sacola um bilhete escrito em uma folha de papel rosa: Eu amo vocês!

O casal ficou muito feliz e Ele pegou o celular para ligar para a diretora da ONG e agradecer a gentileza de viva voz enquanto Ela abria um pão de mel. Quando estava pronta para morder a guloseima Ele olha para Ela com um ponto de interrogação no olhar...

– Ela disse que não foram eles que colocaram a sacola no carro. Que isso não faz parte do procedimento da ONG...

Ela parou no meio do caminho para a mordida do doce e ficou se perguntando se contava ao esposo sobre o sonho que havia tido dois dias antes.


IMPORTANTE: Esta é uma obra de ficção. Todos os detalhes são frutos da imaginação desta autora. Não devem ser interpretados como procedimentos reais de Organizações Não Governamentais. Antes sim, ressaltar o valor de seu trabalho com animais abandonados e da decisão de pessoas que decidem adotar animais em vez de compra-los.

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