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A HORA DA INSÔNIA TREZE

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 22 de ago. de 2020
  • 5 min de leitura

Uma [leitura] rapidinha. Não vá dormir sem ela.


Era muito cedo e apesar deles terem vivido uma noite, ou melhor, um final de madrugada intenso, Ela não conseguiu dormir nem um tantinho. Tinha dias que a insônia funcionava assim mesmo, emendava com a manhã. Era melhor tolerar, não brigar consigo mesma e não azedar o dia.

Ficou muito empolgada com a bebezinha para cuidar...

– Meu bem, consegui!

– Ahn? Bom dia...

– Você e essa mania de whatsapp. Nós dormimos juntos, se lembra?

– Querida, como eu poderia esquecer?

Ela sorri. Era sempre bom saber que tinha sido bom para Ele também.

– Mas o que você conseguiu, meu bem?

– Consegui alguém que me entregue leite de gata. A Gatinha Holly já está miando de faminta.

– Queemm?

– A Holly, meu bem. Gostou do nome? Segui o mesmo caminho que fiz quando escolhi o nome do Gato Tom...

– Sei. Sua avó levava você e sua irmã assistirem Tom e Jerry naquele cinema que abria o teto.

– Cine Universo. Isso mesmo. E fui buscar um outro filme dos meus preferidos e no Bonequinha de luxo tem um gato...

– Querida, o gato do Bonequinha de luxo não tem nome, você lembra que era um distúrbio de identidade dela? Foi você quem interpretou assim. Holly é o nome da personagem principal.

– Eu sei, meu bem! Mas você sabe como gosto de ter meus personagens preferidos perto de mim. Gosto de me sentir ligada a eles.

– E como você interpreta isso?

– Chega dessa brincadeira de interpretar que cansa. Vem, vamos lá para baixo que o leitinho vai chegar daqui a pouco. Enquanto esperamos, tomamos nosso desjejum.

– Ah, então foi por isso que você me acordou?

Ela fica um pouco envergonhada. Gostava muito do desjejum que Ele preparava.

– Sim e não. Tem algo dentro de mim me pedindo para compartilhar com você esse momento que estou vivendo com a Gatinha Holly.

– Ok querida, vamos lá... Não precisa se sentir culpada. Eu gosto que você aprecia o que preparo para nós.

O leiteiro de gatos buzina. Ela desce apressada, vestindo a máscara. Ele diz: Deixa que eu saio.

– Podeixar. Não se preocupe.

Ele desce as escadas em seguida e fica se apresentando à Gatinha Holly, mexendo com ela, brincando... Quando Ela entra, trazendo o leite de gata e uma mamadeira que pediu para o entregador trazer junto Ele estava lendo uma folha de papel cor-de-rosa.

– De novo você está lendo esse bilhete!

– É outro.

– Como assim?

– Estava no fundo da cesta. Você estava tão empolgada com a gatinha que nem viu. Estava bem no fundo da cesta. Era para ter alguma dificuldade de achar, sim! Só depois de pegar a gatinha. Pelo menos foi o que aconteceu comigo. O papel parece ter saído do mesmo bloco.

Ela enche a mamadeira de leite e pega a gatinha no colo para alimentá-la. Leia! Ela pede.

Então Ele lê:

“Querido casal. Por favor, leiam até o fim antes de me julgarem.

Há três dias eu saí do hospital. Sou cardíaca e peguei COVID 19. Fiquei internada por mais de um mês e o prognóstico não era nada bom para mim. Sou uma pessoa sozinha. Não tenho família. Vivo só eu e minha gata, no meu apartamento. Ela é minha família.

Quando me contagiei com o coronavírus, por causa da minha condição de pessoa cardíaca, precisei ser imediatamente internada. Pedi muito, na verdade implorei à minha vizinha que cuidasse da minha gata. Ela se prontificou, mas deixou claro que cuidaria dela até eu voltar. Como eu já tinha deixado claro para ela que a minha situação era muito delicada ela foi franca e disse que não tinha intenção nenhuma de adotar a gata caso acontecesse o pior comigo.

Eu expressei gratidão porque naquele momento era exatamente o que eu precisava. Alguém que fosse cuidar da minha gata na casa dela, ou seja, na minha casa que é dela também.

Durante a internação trocava mensagens e ela me dizia que estava tudo bem, mas eu não tinha boas notícias de minha parte. Eu só piorava. Raros eram os momentos que eu tinha força para mandar mensagens a ela. Teve um dia que os médicos me disseram que seria entubada e que para que eles cuidassem melhor de mim induziriam um coma. Eu só pensava na minha única família. Ela não poderia ser abandonada. Pedi ao médico para eu mandar uma última mensagem à minha vizinha. Ele sabia da situação e concordou.

Escrevi a ela e disse que eu não estava confiante de sair dessa viva. Expressei gratidão por tudo que havia feito pela minha criação, mas agora eu ficaria mais tranquila se ela levasse a gata à mesma ONG onde adotei. E foi assim que a Filomena foi parar na ONG para adoção. Quando surpreendentemente eu me recuperei e fui para casa, liguei para a ONG e ela já tinha sido adotada apesar de que vocês não tinham ido ainda buscar. A pessoa com quem falei e expliquei a situação me orientou para eu estar lá, no dia seguinte que ela intermediaria a conversa entre eu e vocês e poderia acontecer de saírem dali, no dia seguinte, dois animais felizes. Eu com a minha Filomena e vocês com um outro gato que poderiam escolher.

Mas o que aconteceu? Quando eu cheguei na ONG com uma sacola de doces que levei para vocês para expressar a minha gratidão, a Filomena já estava dentro do carro. Depois que ela partiu fui saber o que tinha ocorrido e as pessoas que estavam lá não estavam sabendo de nada. Uma outra pessoa da equipe, a que tinha falado ao telefone comigo, havia sofrido um acidente, naquele dia mesmo, a caminho da ONG e as pessoas estavam ali cobrindo a ausência dela.

Eu não contei a elas o que pretendia fazer. Enquanto elas me contavam o acontecido eu li no documento que estava em cima do balcão o endereço de vocês. Elas não me dariam, que eu sei. Fiz um esforço enorme para memorizar e me apresentei para adotar uma gata. Só tinha essa siamesa bebê, que fiquei apaixonada. Tentei não me envolver muito, apesar de que alimentei e cuidei dela tempo suficiente para planejar o que faria.

A minha proposta, proposta não! O meu pedido. Na verdade, estou implorando. Eu me retratarei na ONG. Se vocês não quiserem ir lá, não tem problema. Elas telefonam para vocês do telefone que têm no seu cadastro. Não precisarei fornecer telefone algum, pois eu nem tenho o número do seu telefone. Eu peço que vocês me entreguem a Filomena e eu irei na ONG, me retratarei, assinarei qualquer documento necessário e direi a eles que vocês irão lá atualizar o documento da bebê siamesa. Eu peço. Eu peço não, eu imploro.

Por favor, troquem a Filomena pela gatinha. A Filomena está comigo há cinco anos e com vocês está há um mais de um dia. Eu estarei aqui fora esperando a cesta com uma das gatas, mas eu imploro, que seja a Filomena”

Ele termina de ler a longa carta e olha para sua amada alimentando a Gatinha Holly, em estado de choque. Os dois olham para a poltrona onde estavam o Gato Tom escrachado e a Gata Filó sentada como uma lady. Olham-se novamente.

– E agora, o que vamos fazer?


Continua na próxima semana


IMPORTANTE: Esta é uma obra de ficção. Todos os detalhes são frutos da imaginação desta autora. Não devem ser interpretados como procedimentos reais de Organizações Não Governamentais. Antes sim, ressaltar o valor de seu trabalho com animais abandonados e da decisão de pessoas que decidem adotar animais em vez de compra-los.

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