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A HORA DA INSÔNIA 3

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 19 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

Uma [leitura] rapidinha. Não vá dormir sem ela.

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Antes do galo Índio Gigante do vizinho cantar pela primeira vez, Ela acordou grata por ser abraçada pelo silêncio da noite. Quase podia ouvir o delicado som do brilho das estrelas.

Foi uma excelente ideia, a do seu companheiro, de se mudarem para um condomínio de casas, numa região de granjas. Quando Ele ficou contagiado pela insônia dela, não conseguia entender como Ela aguentava, há tanto, tempo o ruído de uma metrópole que não dorme. Deixou que ela escolhesse entre o mar e a montanha. Tão delicado e dedicado Ele. Tiraram duas semanas de férias divididas entre as duas possibilidades para que ela tivesse a vivência de cada uma. Ela escolheu montanha não só porque no litoral há períodos muito lotados de pessoas que nem dá para ouvir o marulhar nas madrugadas. A montanha, além de uma temperatura amena, com noites frias e convidativas para uma lareira acesa, o casal se enroscava, embrulhados em uma mesma coberta, uma tigela de pipoca e canecas de chocolate quente, assistindo filmes antigos, produções hollywoodianas clássicas e inesquecíveis. Na montanha, Ela se sentia mais perto de Deus. Ele também. Um critério decisivo para uma escolha de comum acordo.


Como Ele viajava a trabalho, não havia problema algum que condicionasse a escolha. Ela trabalhava em home office e ficava perfeito ter uma bela paisagem silenciosa que, de encher os olhos e a mente, favorecia a escrita.


Estava também se sentindo protegida COVID – 19, apesar de manterem todo protocolo indicado. Ele exagerava desnecessariamente. Não tinha viajado desde o início da pandemia e era cômico quando ele aparecia de máscara, nos momentos mais inusitados.


– Está acordada? A pergunta vinda da outra extremidade do quarto arrancou-a de seu devaneio. Ele insistia em dormir numa cama de campanha que improvisara para ele. Nos primeiros dias, tudo bem. Ele tinha viajado. Mas agora não fazia mais sentido. E a distância do corpo dele contribuía sensivelmente para agudizar a insônia dela.


– Sim. Sussurrou Ela.

– Está acordada? Repetiu Ele num tom um pouco mais alto.

– Simmm. Elevou, Ela, um pouco o volume do seu sussurar.

– Ahn... faz tempo?

– Sim. Estava pensando na nossa mudança quando você me chamou.

– Não entendi. Você está falando muito baixo,

– Estou falando no mesmo tom que conversamos todas as noites. Até você vir com essa ideia maluca de dormir separado.

– Logo, logo isso tudo vai acabar. Faz uma coisa...

– O quê?

– Manda mensagem no Whatsapp,

– Conversa eletrônica no meio da noite, não!!

– Como fazemos quando viajo.

– Você disse bem, quando viaja. Isto não está acontecendo

– Querida, tenha paciência. Eu não posso sequer cogitar, destruir a nossa vida. Tenha paciência.

– Mas eu só quero conversar. Ela olhou para cima e para dentro de si mesma. Não era seu hábito mentir. Nem mentiras astutas nem deslavadas. Nenhum dos dois tipos sabia. E era boa aquela transparência que o casal cultivava. O clima entre eles era sempre leve e de total aceitação mútua dos sentimentos.

– Nós estamos conversando, coração.

– É que eu gosto de falar para a tua pele e não para os teus ouvidos. Disse isso num tom muito baixo. Ensimesmada. Num pensamento externalizado para ela mesma.

Ele se levantou e foi até o banheiro. Demorou um pouco lá dentro. Ouviu ruído de chuveiro. Não demorou muito, Ele veio de pijama trocado por baixo de um robe grosso e, ela se segurou para não rir, máscara. Ela não ousou dizer uma palavra. Ele se deitou no lugar que era de sua propriedade e passou o braço por trás do seu ombro puxando -a para si. Ficou tenso, rígido.

– Eu só vou te ajudar a dormir de novo.

Ela deitou a cabeça no peito dele, abriu uma fresta do robe e um botão da camisa do pijama e antes que ele protestasse, Ela o beijou. Pronto, já estamos contaminados.

Ela tocou a pele dele com os lábios e contou muitas histórias deles dois.

Naquela noite, o gato Tom sequer ousou caçar as sombras projetadas na parede do fundo do quarto.

1 comentário


Angelica lozano lima
Angelica lozano lima
12 de jul.

Que lindo ❤️

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