a História de Um Pai (e de uma filha)
- Rosana Almeida
- 8 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Com prefácio.
Prefácio
Este mini conto foi publicado em 21 de novembro de 2008, ano da partida desse pai. É uma história completa: tem um caso de amor (paterno) e uma rival! Sempre tem um rival...
O pai tinha uma linha de telefonia celular empresarial que só lhe dava desgosto, pois limitava muito a sua escolha do aparelho de telefone. O pobre pai – que no fundo era rico, mas não sabia – nunca podia ter o brinquedinho do seu sonho. Um dia o seu telefone celular foi roubado e ele viu nesse fato a oportunidade de realizar algumas modificações naquela situação limitante, apesar de saber que o seguro lhe ressarciria com um aparelho de igual valor. Começou então a via-sacra de falar com estes atendentes de sistemas URA que ficam pedindo “um minutinho, por favor” e enquanto leêm a tela de help, você fica ouvindo uma gravação dizendo que “você também pode entrar no www e escolher o setor de relacionamento tal” e faz você se sentir indesejado naquele modo de atendimento que escolheu. Aquele pai fez muitas ligações e anotou as datas e os nomes de todos atendentes além dos números dos protocolos de ocorrência. E nada dele receber o telefone, mesmo que fosse um bem elementar. Um dia a filha resolveu interceder pelo seu pai. Ela sabia muito bem brigar pelo o que queria. Sabia abrir caminhos e decidiu usar dessa possibilidade a favor de seu pai. Ele nem sempre valorizava essa sua capacidade, mas isso já é outra história. Ela sentou diante da tela de seu computador, abriu uma página de e-mail e fez um relatório, agressivo e completo, de todos os telefonemas e ocorrências realizadas. Pediu uma solução com urgência, caso contrário rescindiria o contrato com aquela empresa e migraria para a concorrente. Sem mais. O pedido de desculpas veio em questão de horas e o aparelho de telefone chegou naquela semana mesma. No final de semana o casal de pais viajou para a sua casa de veraneio. Fazendo um passeio entraram numa dessas lojas de objetos e brinquedos e resolveram comprar um presente para o netinho quando uma prateleira chamou a atenção do marido. Uma bonequinha que segurava nas mãos uma plaquinha com um recadinho carinhoso. Era uma boneca portadora de uma declaração de afeto. Escolheu uma e a comprou para a filha. Seria uma surpresa. Por algum motivo que nunca saberemos, ele esqueceu o presente ao retornar a casa onde morava com a família e onde estava a filha a ser presenteada. A esposa havia ficado para desfrutar um pouco mais da casa de descanso. Quando, durante a semana, falou com a filha pelo telefone contou que o pai havia comprado uma bonequinha de presente para ela, mas tinha esquecido de levá-la. Certo. O pai, quando ficou sabendo pela própria esposa que a sua surpresa havia sido revelada ficou fulo. Não, fulo não, fulo é pouco. Ficou ... aquela palavra, você sabe qual. No final da semana quando voltou ao litoral, tratou de cuidar para não esquecer o mimo. A filha tinha ficado muito curiosa sobre a tal boneca e quando abriu o presente recebeu a verdadeira surpresa. A mensagem carinhosa, de reconhecimento e gratidão causou-lhe grande emoção e ela decidiu deixar a boneca, segurando a placa lembrete e lembrança daquele momento da relação ao lado do monitor onde permanecia por muitas horas trabalhando. A mãe voltou das férias e quando viu a boneca na área de trabalho da filha começou a tecer comentários:
― Primeiro ele escolheu uma, mas o vestido era feio. Outra não ficava em pé. Ele escolheu essa por causa do chapéu, era o mais bonito. Sei. O pai já se foi. A boneca não se encontra mais na área de trabalho, mas em seu quarto lembrando um momento muito especial dos dois. Só deles. Boas lembranças, como é bom tê-las.
Atualizando a história:
O pai, hoje, faria 84 anos. Muita saudades...
A mãe já se foi também. Não aguentou a viuvez e
A boneca voltou para a área de trabalho da eterna filha.
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