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Minha avó Reisa

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 23 de set. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 25 de set. de 2020

Quando queremos eternizar alguém, dentro de nós, uma maneira é escrever uma coisa bacana sobre ela.






Foi em 1966. Eu já havia completado oito anos. O Natal se aproximava e minha mãe sentenciou: “você já é uma mocinha, não vai ganhar mais boneca, vai ganhar uma escrivaninha!”. Naquela época, as manhãs de Natal eram deliciosas. As crianças se vestiam com roupas de festa e ficavam nas calçadas, exibindo os seus presentes para os colegas. Nem preciso dizer que a primeira coisa que pensei ao ouvir minha mãe determinar qual seria o meu presente (ou o dela?) foi que eu não poderia participar “daquela” festa particular das crianças. Para ajudar ainda mais, a tal da escrivaninha chegou com muita antecedência, acho que mais de um mês. Eu ficava um longo tempo observando-a, esforçando-me em gostar dela, tentando me convencer que aquele presente era legal. Hoje eu entendo, à custa do amadurecimento, que eu pretendia fazer do desejo da minha mãe o meu. Eu não conseguia manifestar o meu descontentamento, só consegui ensaiar um “mas mãe” e ela não permitindo que eu completasse o meu apelo, pronunciava “você já é uma mocinha!”. A árvore de natal foi montada e os presentes sendo arrumados em baixo, na medida que eram comprados e embrulhados. Sim, naquele tempo não havia o conforto de hoje em dia de já trazer o presente embalado. Fazia parte escolher os papéis mais bonitos; fitilhos; cartões de/para, e compor o pacote. Uma pequena caixa sem destinatário nem remetente e num papel não tão bonito chamou minha atenção. Perguntei: “o que é isso?”. “É para você”, minha avó respondeu. “E o que é?”. “Um par de sapatos”. Alguns dias se passaram e eu falei: ‘vó, já que eu não vou ter nada para mostrar para as minhas amigas “lá fora”, será que eu não posso experimentar o sapato e se não servir a gente já troca e eu posso usar os sapatos no dia de natal?'. Minha avó foi curta, “não”. Chegou o dia que eu não esperava que fosse grande e bom, mas foi o melhor natal da minha vida, o único que tenho na lembrança e nunca vou esquecê-lo. Quando abri o presente, a caixa de sapatos, era uma boneca, de cabelo todo branco, chamada Biju. Era tão pequena e linda e, como agora, naquele momento chorei de alegria. Este acontecimento e esta boneca me ensinaram, mais tarde, duas coisas muito importantes. Primeiro que a minha avó Reisa foi a pessoa mais importante e sensível que eu tive o prazer de conviver na minha infância e a segunda, o quanto eu era arrogante pois não muito tempo depois, minha irmãzinha, que era um bebê, riscou a testa da Biju com caneta e acho que cortou um pouco o cabelo, bem na frente. E eu não pude considera-la mais, ficou entre as preteridas. Hoje eu procuro em lojas, desejosa que seja reeditada, a boneca da minha vida. A única que sinto falta. Em tempo, nunca usei a escrivaninha. Era muito alta e não havia cadeira que fizesse a mocinha alcançar.




Ainda em tempo, a bebezinha no colo da avó sou eu.




E a menina ao meu lado na mureta, esperando, comigo, o ônibus da escola passar para me pegar era a minha irmãzinha destruidora de bonecas.

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