A INDEPENDÊNCIA DOS GATOS
- Rosana Almeida
- 7 de set. de 2020
- 3 min de leitura
TINA II
Dizem que gatos são independentes. A Tina é. Entretanto, ela precisa afetivamente de mim, portanto ela é dependente de mim. Tina precisa do meu amor e ela sabe a diferença entre ser dependente, precisar do meu amor e morrer se eu não estiver em casa – dependência extrema tão temida pelos seres humanos que ainda não sabem a diferença e ficam se defendendo de amar uns aos outros.
Fiquei quatro dias ausente de casa. Ela comeu, tomou água e dormiu, mas ela gosta muito mais quando, pela manhã, eu coloco a cadeira ao lado da sua ‘tina’ de ração e digo: “vou sentar, vou sentar, vou sentar.... Sentei! ”. Aviso para que ela não permaneça no assento e eu me sente em cima dela. Pode estar em qualquer lugar e eu anuncio: “Comidinhaaa...”. Ela vem de onde estiver. Sabe que me sentarei. Ela saltará em meu colo. Lhe abraçarei e beijarei antes de pegar o pote de ração e separar a medida da manhã. Ela comerá alguns grãos em meu colo. É dessa maneira que a ração, tão corriqueira, ganha o tempero especial do meu amor. Sem dizer que a ração recém tirada do pote é mais crocante, claro! Mas se eu estou demorando para atuar este ritual que é realizado pela manhã e à noite, ela mia e grunhe muito.
Sim, Tina é muito independente. Ela decide o momento em que brincaremos de esconder. Sai em disparada, passando pelos meus pés e vai se esconder. Atentem, cada hora é num lugar. Fica agachadinha e quieta como que a espreita para me dar um susto. Qual alegria deve sentir quando parto em sua busca, dizendo: “Cadê a Tiina??? Tiinaa, cadê você Tináá? ” Entro no quarto ainda na penumbra. Muitas vezes rio porque ela se deixa ver para que eu saiba a direção que devo tomar e assim ajudar a encontrá-la. Quando o nosso olhar se encontra, digo “Achou!!” E ela fica me encarando. Agora sou eu que me escondo e a chamo e me mostro. Escondo-me novamente e é a hora em que ela diz o seu achou, dando um salto mais alto que o meu ombro! Tina é muito independente.
Nesses quatro dias em que me ausentei ela sabia que eu voltaria. Tudo ficou no nosso devido lugar. Deixei o roupão azul aberto no lugar da cama em que durmo como um sinal e para ela dormir ali, agasalhada com a minha lembrança que, estou certa, ela entendeu. Sempre quando volto, seja quantas horas eu me ausente, ela mia muito já quando saio do elevador e caminho vagarosamente até a porta. Só nesse momento é que gostaria realmente de andar mais rápido. Bem, quando abri a porta ela ficou quieta e curiosa. “Será que ela vai ficar? ” Até deu uma choradinha, repreendida pela minha irmã. Eu não a repreendi. Depois que a minha irmã se foi e ela me viu desfazendo a mala e pondo minhas coisas no lugar, aí sim, começou a verdadeira festa. Tina passou a tarde correndo, pulando, brincando, grunhindo, miando. Foi uma super festa até o anoitecer. E com seu sorriso de gato nos olhos e em sua testa que só eu entendo. Tina é muito independente! Ela sabe perfeitamente que precisar da minha presença, ter a minha companhia afetiva, não ameaça a sua independência felina.
Independentemente de qualquer coisa, eu sou muito dependente da Tina. Toda vez em que vou me levantar, ela vem correndo e põe a patinha na mão em que eu me apoio para fazê-lo. Às vezes dá uns dois empurrõezinhos com a pata na palma da minha mão, tipo “Força! ”. Uma noite dessas, já era tarde e fui me levantar. Ela saiu do seu repouso, subiu na cadeira em que eu estava, bem nas minhas costas e pôs a pata na mão em que eu me apoiava para levantar. Como eu estava há muito tempo sentada e já era tarde, a dificuldade foi grande. Ainda atrás de mim, Tina ficou em pé e apoiou suas duas patas dianteiras nas minhas costas e se demorou assim, até que eu tomasse a posição ereta. Achei uma graça! Mas a melhor surpresa ainda viria. Quando me voltei, ela estava sentada ainda na tal cadeira e olhando fixamente para uma gravura de Jesus Cristo sorrindo que tenho numa tela de computador. Acho que ela perguntava: “E então, fiz certo? ” – “Certíssimo Tina! ” ELE respondeu. “Boa noite querida! ”
É o que digo, vivemos nós três aqui neste apartamento, numa interdependência alegre e amorosa uma da outra e completamente dependentes DELE. E não tem dependência melhor que Esta!
Viva a dependência. Viva!
02/06/2018
Comments