O TEMPO QUE A VIDA TEM. O TEMPO QUE A GENTE DÁ.
- Rosana Almeida
- 9 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Leia com calma. O post não vai fugir...
Finda a hora do almoço e as idéias pululavam em minha mente. Quando o título da crônica da semana surge pronto, fechado, é porque o trabalho de parto vai começar, ou tem que começar. Aí tenho que, como os bons hábitos recomendam, escovar os dentes. Há recados na secretária eletrônica. Preciso anotar e retornar as ligações, guardar o carregador da bateria do celular… A hora vai passando e uma primeira angústia proveniente da impossibilidade de ter o desejo realizado de, como diz Ignácio de Loyola Brandão, pôr a b… na cadeira e escrever se faz presente. Não quero deixar de viver as contrações mentais, anestesiá-las seria o sacrifício do filho que pede para nascer. Reformular as prioridades parece impossível em alguns momentos. Escrever a crônica ou viver a crônica antes de escrevê-la? Como aproveitar o tempo, quero espremê-lo ou melhor triplicá-lo, não perder um segundo sequer. Interessante os verbos que usamos para descrever a nossa experiência com o tempo: ganhar – esse é o melhor!; perder; espremer; multiplicar; não vê-lo passar; e querer que passe logo. Parece um paradoxo, mas a subjetividade com que o tempo é vivido é real. Duas pessoas não vivem, não experimentam a passagem do mesmo intervalo de tempo da mesma forma. Dependendo do referencial, para uma será uma hora que não acaba mais e para outra passará rápido demais. Eu costumava brincar que para o meu pai, se ele me fazia esperar 25 minutos a ele parecia que tinha se passado só cinco, mas se eu o fizesse esperar apenas cinco minutos, a vivência, a impaciência e outras “^-ências” e “-âncias” o faziam sentir como se tivesse passado 25. Para algumas pessoas, muitas, a vida passa muito rápida. O tempo voa. O ano acaba logo, mal termina o carnaval já é natal. Me parece, porém que elas se convidam a uma rapidez quando dizem: “Olha já é dia tal! Daqui a pouco já é natal”. Creio ser também um convite à aceleração da vida o hábito de olhar o calendário do próximo ano só para ver como acontecerão os feriados, principalmente o natal e o ano novo que são os últimos feriados prolongados do ano. Essas pessoas têm uma vivência apressada e consequentemente, para elas o tempo voa.
Quando um amigo faz este comentário em roda de conversa eu fico constrangida de dizer que eu não sinto, eu não experimento o tempo dessa forma. Não sei quando comecei a ter este estilo, mas eu vivo um dia de cada vez. Nem sempre foi assim. Eu já passei algumas viradas de ano com a triste sensação que o tempo passou depressa demais e eu não havia feito nem metade do que eu gostaria e objetivava. A mudança que sei que aconteceu só não sei quando começou foi que eu passei a prestar mais atenção à segunda parte da frase: “o que eu quero fazer, quais são os meus objetivos” e passei a desvinculá-los do tempo, ou do calendário. O que eu posso dizer é que passei a ir dormir com a sensação de realização, de missão cumprida, com frequência. Há muito que o relógio não manda em mim, o que não quer dizer que nas minhas atividades pessoais e profissionais eu me atrase ou me adiante. Relógio para mim é um instrumento, não é ele que decide, haja vista o nome que escolhi para o meu site. Eu também não adio nada para o ano que vem como se coisas novas só pudessem acontecer ou se iniciar no ano novo. Se eu quero algo já estou pensando no algo. Às vezes as coisas não cabem mesmo no ano corrente por uma série de questões, subjetivas sim, não só de cronograma. Se o algo não pode realmente acontecer, outras coisas estão acontecendo. Se uma sociedade não pode acontecer agora, outras mais importantes e necessárias estão se consolidando. Há, entretanto uma emoção para a qual eu não posso deixar de conceder um espaço quando o tema é vivência subjetiva do tempo, a voracidade. Velha companheira desde tempos imemoriais, ela realmente embola o meio de campo da experiência temporal. É a voracidade ou não podermos frustrá-la que dificulta ou nos impede de fazer escolhas. Todo mundo sabe que também comemos com os olhos e não só com a boca. Se gostaríamos de abocanhar vorazmente o tempo então qual o órgão com o qual nos ligamos a ele e como o digerimos? Penso que o desejo de eternidade em contraponto ao saber-se finito compõe um órgão mental. Este por ser rudimentar, não ajuda muito na digestão do tempo, ao contrário dificulta. Um órgão surge da evolução do homem e que ajuda muito na digestão do tempo e na absorção de seus nutrientes. Este órgão é a paciência. E por incrível que pareça, na minha opinião a melhor maneira de ganhar tempo é poder perdê-lo – outro paradoxo. A física nos ensina que duas coisas não ocupam o mesmo espaço. Elementar. Duas ideias não podem ocupar o mesmo espaço mental. A experiência de pensar em uma e logo em outra, mesmo que nos remeta a uma vivência de profundidade e de abrangência, esta experiência esparrama-se no tempo, mesmo que seja em segundos. Bem tolerados os limites para contê-las, processá-las e pensá-las, grosso modo falando, nos provoca a sensação de tempo aproveitado, tempo vivido. A melhor forma de ganhar o nosso tempo é poder perder o tempo que não cabe dentro da gente ou não está cabendo naquele momento. Para encerrar não posso deixar de citar um pensamento que tem me acompanhado nos últimos tempos e que no projeto inicial desta crônica que durou segundos, era só um nariz de cera e penso agora merecer a categoria de encerrá-la, uma promoção. Não é possível que a busca pela estabilidade econômico-financeira justifique tudo e tanto. Nós não sabemos mais o que é trabalhar o suficiente para viver bem e que o bem viver não depende só dos frutos do trabalho. Creio que nos últimos tempos desaprendemos algo essencial e que parece estar perdido. Tenho fé que só parece. Acho que desaprendemos viver. Este desaprender de viver gerou alguns danos internos que se refletem em muitas áreas, mas principalmente na área do relacionamento, com nós mesmos. A reparação destes danos é trabalhosa e demanda tempo. Se pudermos perdê-lo ganharemos vida. E até uma próxima vez, quem sabe quando.
01/11/2008
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