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UMA VIDA ILUMINADA - Uma análise psicológica

  • Foto do escritor: Rosana Almeida
    Rosana Almeida
  • 11 de jun. de 2020
  • 6 min de leitura

Já assistiu esse filme? Após a leitura dessa amálise, estou certa que vai querer assistir...

Título original: Everything is illuminatede Elenco: Elijah Wood (Jonathan); Eugene Hutz (Alex Perchov); Boris Leskin (avô de Alex). Direção e roteiro: Live Schreiber. Baseado no livro de Jonathan Safran Foer.


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Gostaria de iniciar esta análise com um detalhe que me chamou muito a atenção. O filme é baseado numa novela de Jonathan Safran Foer que é um dos personagens. Nesta novela, há um personagem que se chama Alexander Perchov que escreve a história de Jonathan que vai à Ucrânia procurar o local em que o avô cresceu e sinais da mulher que o ajudou a sobreviver durante a guerra. Esse jogo de espelhos – quem está falando sobre quem – deu uma dimensão atraente, uma introdução a um pensar mais profundo, um convite a uma introspecção maior do que eu imaginava. Sugere também um jogo de bonecas russas. No final, o filme é dedicado a Alex Perchov – quem é que dedica e a qual dos Alexes? A introdução do filme contém uma fala de Alex/neto, o contador da história, dizendo que quando era jovem pensava que os judeus tinham merda na cabeça. Ao fazer esta introdução, Alex fala dos judeus na terceira pessoa: “eles tinham merda na cabeça”. E seu avô “odiava os judeus (ricos) porque eles...”. O problema de identidade já nos é apresentado nesta fala. Penso que o filme trata de dois aspectos dissociados e conflitantes de um mesmo self – Jonfen/Jonahtan quem busca a verdade e Alex-avô quem perece conter uma dor, um sofrimento, com um terceiro aspecto Alex-neto (analista?) representando a possibilidade de diálogo entre eles. Alex-neto fala as duas línguas mas, ele não é um simples tradutor ele trabalha como um ‘mediador’. Parece que no início não há muita possibilidade de diálogo entre essas partes, daí a importância de Alex. Será só na segunda metade do filme que o diálogo irá acontecer. Jonfen/Jonathan, caracterizado por um guardar obsessivo de lembranças – é o suposto colecionador. Ele tenta guardar partes de seu passado, fragmentos de uma identidade que seu aspecto “oposicionista” – Alex-avô – tenta negar através de uma cegueira artificial e da projeção dessa identidade judia na cadela Sammy. Este é o significado que encerra o duplo Jr. no nome da cadela: Júnior de Samy Davis Jr. ,o cantor negro que se converteu ao judaísmo e Jr. por Alex/judeu. Carregar uma origem amada por um lado e odiada pelo sofrimento e perseguição que lhe causava por outro lhe enlouquecia. A loucura então era projetada na cadela para que assim uma parte da sua personalidade ficasse preservada. A cadela então enlouquecia por ele. A “busca rígida”, rígida por causa da obsessão de Jonfen, se dá dentro de um carro/continente cujo nome da empresa é “Heritage” – herança, aquilo que recebemos de nossos ancestrais, nossa descendência em essência. O continente automotivo carrega aspectos dissociados e destoantes (parece um consultório durante uma sessão de análise). É importante notar durante a busca o “olhar” de cada um desses aspectos: - Jonfen/Jonathan: sem óculos é quase cego; com óculos, seus olhos ficam tão grandes que parece que vai engolir o mundo só com o olhar. - Alex/avô: gostaria de cegar-se só para algumas “verdades”. Enquanto dirige tem a sua atenção atraída por sinais que o levam ao passado, com suas lembranças. Quando ele se percebe capturado por elas, volta o olhar para frente pois, afinal de contas, “o motorista tem que prestar atenção na estrada/caminho”. - Alex/neto: tem um cacoete, tem um olho mais fechado que o outro. Posso pensar que é porque ele é o mediador. Ele tem um olhar para dentro enquanto outro está atento à realidade externa. É uma necessidade semelhante a dos terapeutas/analistas que precisam se cegar parcialmente para a realidade externa e concreta para enxergar/ perceber melhor a dinâmica daquele que vem buscar ajuda, o paciente. - Sammy: bem, o olhar da cadela judia e enlouquecida por identificações projetivas maciças está fixo em Jonfen, aquele que em sua obsessividade (rigidez) se defende da loucura contida nela mas que também irá salvá-la, tanto que a cadela escolhe aninhar-se em seus braços durante a noite e se recusa a se afastar dele. Numa determinada cena o motorista, Alex/avô, mostra-se bastante irritado porque o quarteto não está sendo guiado pelo “mapa” de Jonfen. Ele terá que seguir o “seu mapa” interior o quê já está fazendo pois a tendência à integração é – graças! - impulsionada por aspectos que são involuntários. Então ele buzina violentamente para que aqueles aspectos internos se calem, ele acha que não vai aguentar encarar aquela verdade que buscou cegar-se a vida toda, então busca um barulho maior para não ouvir o barulho interno. Essa defesa porém mostra-se infrutífera. Na cena em que Alex/avô bate no neto porque este judiou de sua cadela, ele está agredindo todos os nazistas que maltrataram-no e aos seus irmãos judeus. Essa era a principal razão de seu desgosto quando alguém “ralhava” com Sammy Davis Jr. Jr. Ao saírem da casa da irmã de Augustine, Alex-neto sente-se atormentado pela impressão que o vem perseguindo ultimamente: que seu avô foi um anti-semita, que perseguia os judeus como os ucranianos em geral. Ele está atormentado pois se crê um ucraniano comum e não também judeu. Quando pergunta a Jonfen se ele acha que seu avô perseguia os judeus, este responde “...sua camisa está do avesso...”, comunicando que o seu pensamento está “invertido”. Aquele sentido como um perseguidor foi um perseguido. Se mostrar a etiqueta do lado de dentro esconderá a estrela amarela do lado de fora, marca dos judeus. É interessante também notar um diálogo dentro da casa da irmã de Augustine: Alex-avô pergunta a ela: “Qual o seu nome?” A Mulher (pegando uma foto de dentro da caixa) fala o nome do homem da foto: “Este é Baruch. Este homem vivia na biblioteca, pegando muitos livros sem saber lê-los, gostava de pensar sobre os livros e andava com um sempre embaixo do braço. Minha mãe dizia que era louco”. A irmã de Augustine, seu nome não é dito o filme todo, diz que tinham, Baruch e ela, isso em comum – a loucura. O nome Baruch só aparecerá em seu túmulo pois na introdução da história, quando Alex apresenta sua família, diz que o nome do avô é Alexander Perchov. Seu nome completo era Alexander Baruch Perchov e na cultura judaica cada benção inicia-se com Baruch Ata Adonai Eloheinu Melech Há Olam (Bendito és tu, Senhor...). parece redundante dizer mas a origem judaica de Alex/avô estava em seu nome e ele precisou eliminá-la. Ele não só queria escondê-la por uma questão de sobrevivência, ele também precisava escondê-la dele mesmo. Acho que esse foi o seu maior, ou melhor seu único crime, crime cometido contra a sua saúde mental. Quando ouvimos a história da morte de Augustine e sua irmã conta como os nazistas desrespeitavam o Tora e todos os livros dos judeus – a sua riqueza – me chamou a atenção que Alex/neto não reconheceu a palavra Tora e não soube dizer a Jonfen o que ela estava dizendo. Faz-me pensar também na relação estranha de Baruch com os livros – admirava-os, queria pensar sobre eles mas não sabia lê-los! Alexander Baruch Perchov não sabia ler conteúdos internos, não podia pensá-los, e isso já caracterizava a sua loucura. Diferencio um pouco da loucura da irmã de Augustine mas esta também viveu alienada de uma realidade por aproximadamente 40 anos, em companhia dos mortos. Quando o quarteto vai embora, Jonfen ao dar o pingente à irmã de Augustine, torna-se Jonathan o colecionador. Ele mostra-se profundamente emocionado. O Jonfen obsessivo e rígido pode se emocionar e se deprimir, e pode também renunciar a uma riqueza de sua coleção – o pingente – e receber a caixa das mãos da “mensageira”. O caminho da integração implica em perder partes e conquistar outras e emociona profundamente. Ao colher a terra do rio para levar ao túmulo do avô, Jonathan “faz um” para Alex também. Entendo que é a morte anunciada. Quando Jonathan dá o pacote a Alex dizendo “fiz um para você” fala que é do rio ... e Alex repete Trachimbord. Neste momento os aspectos antes dissociados e discordantes podem dialogar sem precisar mais de tradutor e mediador. E nesta linha de pensamento a morte de Alex representa a morte de um aspecto interno que é sentida como uma morte real. O sentimento de perder uma parte que prevaleceu durante muito tempo é muito assustadora e na maioria das vezes enganadora quando provoca a sensação de que “deste modo não conseguiremos continuar vivendo”. E finalmente, ao se despedir de seu acompanhante da busca “rígida”, Jonathan afaga e beija! a cadela Sammy e diz: “foi um prazer conhecê-la”. É a despedida e a separação anunciada, foi realmente um prazer conhecer estes personagens.

09/08/2008

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