História (fantástica) de Tina
- Rosana Almeida
- 31 de dez. de 2022
- 4 min de leitura

Estava me sentindo sozinha. decidi adotar um gato. Sempre, desde que eu me entendo por gente, tive a companhia de um animal. Como já disse: sempre tive cachorro. Cadelas para ser exata. Gato nunca.
Escolhi gatuno por darem menos trabalho. Hoje sei que gato é só alegria!
A decisão estava tomada, entretanto demorei para dar o passo.
Imaginava-me de fronte a uma vitrine cheia de gatinhos e não sabendo qual escolher ou em uma feira de adoção, babando diante de um chiqueirinho repleto de gatinhos risonhos e brincalhões e sentindo-me tentada a adotar dois somente por não tolerar escolher um e não outro. E como ficaria o meu sentimento de abandono nessa? Ia levar dias ou semanas para resolver. Se é que ia.
Em uma determinada segunda-feira chamei o colocador de telas protetoras. Era o primeiro passo. Depois liguei para a médica veterinária das minhas crias para investigar se ela teria algum gato para adoção, assim me pouparia de ter que escolher. Foi ela quem me deu a Tina, mas isso é tema para outro conto.
A questão era: eu nunca tinha convivido com um gato. Nem sabia se iria me adaptar. A Célia, sábia e responsável, pediu-me que se não me adaptasse a levasse de volta e não a abandonasse. Acho que como fazia tempo que não nos víamos se esqueceu como eu sou. Ou estava cumprindo a sua obrigação.
Tina, em suas palavras, foi abandonada duas vezes. A primeira por alguém que a largou, pequenina, cabia na palma da mão e com a barriguinha machucada em uma calçada da cidade. A segunda por alguém que tinha se proposto a adotá-la e, também saiu à francesa.
Cheguei em casa com minha única gata. Ela precisava se ambientar ao novo lar e à nova mãe. Uma mãe só dela. E os dias foram se passando. Eu me adaptando a ela e ela a mim.
Mas uma coisa estranha acontecia neste apartamento. Algo que só posso escrever deste modo. Eu tinha a sensação de uma presença. Em muitos momentos havia duas gatas e não uma. E a presença, a Gatarzinha, estava sempre em um lugar diferente de onde a Tina estava.
Era uma sensação insistente. Às vezes a impressão chegava a ser visual, mais que intuitiva. Era uma gata maior e malhada e num dia de reflexão sincera concluí que era a mãe da Tina.
A mãe gata estava preocupada com a filhota, precisava se certificar que era bem cuidada ou, simplesmente não queria se separar dela. Será que sabia que tinha partido dessa para uma melhor? Como eu resolveria a questão sem ter que chamar os Caça-fantasmas? Não sabia o que fazer. Não era uma situação natural. Havia eletricidade no ar. Eu não relaxava. A qualquer momento era flagrada pela felina presença espiritual.
Quando alguém anuncia nas redes sociais que seu pet se foi e virou estrelinha fico indignada. Não me consolo com esta ideia. Até porque as estrelas que avistamos estão mortas. E quando alguém cita o tal céu dos cachorros! Como é isso? Que história é essa de dois céus? Não tem disso não! Foi assim que tive uma ideia. Não sabia como iria proceder, mas era o que eu queria fazer.
Uma afinidade que tinha com o meu pai era o carinho por nossas crias. Um carinho diferenciado. Num dia de muito calor, saiu para comprar sorvete para a família e trouxe picolés para as meninas, a Shine e a Carol! Que saudades pai!
Noutro dia foi me buscar no cabelereiro. Quando entrei no carro desabei em lágrimas pois não tinha conseguido socorrer uma collie que parecia procurar o seu dono e estava com a pata machucada. Era visível que estava assustada e com muita dor. Liguei para a clínica veterinária que era próxima de onde o animal estava, andando daquele jeito não iria longe. A secretária que me atendeu ao telefone disse, friamente:
- Se a gente for ajudar a todos que precisam... - Não estou pedindo para ajudar a todos! Estou pedindo para ajudar esta!
E meu pai, me ouvindo, completou:
- Por que você não disse: eu vou pagar!
Oh pai! Saudadona viu?
Lembrei de como a Carol esperava por ele, no alto das escadas, olhando para baixo, depois que ele morreu. Eu tinha certeza de que nossas crias estavam com ele. E era para ele que a mãe da Tina teria que ir. Não sabia como, mas eu iria tentar.
Nunca fui dada a chamar espíritos do além, nem brincando nem falando sério. Cada um cuida da sua vida, ou da sua morte. Resolvi falar com O Chefe.
Pedi em oração sincera para que aquela felina que tinha se perdido a caminho do além por causa de um apego, uma preocupação, fosse encaminhada para o meu pai. Estava certa de que ficariam bem, um com o outro. Muitas vezes me peguei pensando como ele se alegraria com o brincar da Tina. Aí estava a oportunidade.
E assim foi.
Na manhã seguinte à oração, comecei o meu dia não me lembrando do assunto. Me envolvi com minhas tarefas que sempre são muitas mas, de repente, abri os olhos mais do que já estavam abertos. O ar estava leve. Ela tinha ido embora ou um anjo a acolheu e a levou. Eu sabia para onde. Sabia com quem ela estava. O que eu não sabia é que um dia ela voltaria.
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