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NÃO FEZ MAIS NADA QUE A OBRIGAÇÃO

Ressignificando e empoderando-se a partir de uma situação traumática.



Quem nunca ouviu isso da sua mãe ou do seu pai? Pergunto antes da mãe porque ela é, sem dúvida alguma, primordial na composição da autoimagem dos filhos. A história que conto abaixo já havia escrito em algum momento no passado e não só em uma ocasião. Resolvi tirar ela do baú de guardados para tentar ajudar algum filho ou alguma filha e se possível alguma mãe...

No terceiro ano do ensino fundamental, tirei nove e meio em uma prova de matemática. Sempre fui mal nesta matéria e esta nota foi, para mim, uma grande surpresa. Quando dei a prova para que minha mãe a visse, aquilo foi motivo para que ela falasse muito, mas em nenhum momento parabéns. Ela dizia, e disse muitas vezes que se eu tinha tirado nove e meio poderia tirar dez. Ela insistia para que eu reconhecesse o tão pouco que tinha faltado para a nota máxima. Falava sem dar um sorriso. Era como se eu tivesse cometido um pecado capital. Ela falou tanto, mas falou tanto que fiquei extremamente ansiosa no período que precedeu a próxima prova. Eu tenho lembranças visuais daquele momento. Ao mesmo tempo que não via a hora que chegasse o grande dia para me livrar da tarefa tão importante, dar a ela o que eu tinha ficado devendo. Havia contraído uma dívida sem o saber. Também estava com muito medo. Foi realmente uma tortura no dia anterior ao da prova. Estava com medo de ter uma dessas diarreias incapacitantes que me impedisse de ir à aula. Não cheguei a ter nem uma dor de barriga, mas o coração batia muito forte. Fiz a prova e precisei aguardar alguns dias para que a professora corrigisse. Chegou o grande dia da entrega das provas corrigidas e eu tirei dez. Que felicidade! Cheguei em casa exultante: Tirei dez!! Minha mãe não disse A, e eu não entendendo nada. Meu pai chegou e eu dei a notícia, também indiferente. Deviam ter combinado. Passou algumas horas e resolvi perguntar: mãe, eu tirei dez na prova. Você não viu? Não queria acreditar que aquela indiferença fosse a reação da minha mãe. E então veio a resposta que eu gostaria de nunca ter ouvido e que não tivesse me deixado as marcas que deixou, pois eu me tornei uma pessoa muito exigente: Não fez mais nada que a obrigação.

Oras, até eu descobrir que tem gente que não sabe elogiar levou uma vida. Pois eu ainda acho que isso é requinte de crueldade. Quero mudar essa marca dentro de mim e principalmente desvinculá-la da minha mãe. Quero me esforçar em vê-la como algumas pessoas amigas dizem a respeito dos mortos. Que agora ela teria uma outra perspectiva das coisas. De qualquer maneira, infelizmente, ainda não cheguei nesse ponto. Tenho que admitir. Mas estou quase lá.

Escrevi o texto acima há algum tempo, como disse, e tenho muito a acrescentar e é algo que não pode ficar só para mim, preciso compartilhar. E como tudo na vida tem os dois lados e o que dificulta integra-lo é o lado mau, vou começar por ele.

Em algum momento da vida adulta entendi que a minha mãe não me ajudou nadinha a reconhecer e discernir os meus valores. Vejam bem: nove e meio foi uma tragédia para ela e o famigerado dez também não aliviou. O que aconteceu comigo? – Não foi à toa que comecei o parágrafo com em algum momento da vida adulta – Demorou muito para eu entender que nunca ficava feliz com o que fazia porque nunca estava bom. A mãe interna, introjetada, era exigente, insatisfeita e nada conseguia agradá-la ou eu não conseguia me agradar com as coisas que eu fazia. E enquanto não entendi isso fui extremamente infeliz. Também não podemos esquecer que para um filho, na infância, a mãe é detentora da verdade absoluta. Como questionar algo se a mãe disse assim ou assado? É isso que leva tempo desvincular: a verdade é uma coisa, o que aprendemos da mãe é outra.

A mãe me deu a vida e por isso serei eternamente grata, mas isso não me faz devedora de ser quem não sou.

Somos incapazes de mudar o passado, não só porque a mãe está morta. O passado é inalterável. Mas a mãe interna pode ser modificada porque ela é presente. Ela está atuante. Não é nenhuma raivinha que a manda calar a boca. Quando carregamos uma lembrança desde a hora que acordamos até a hora em que vamos nos deitar e ainda sonhamos com ela é porque temos que aprender algo. E mesmo quando já aprendemos e ela não pode ser guardada no arquivo morto é porque falta algo para ser integrado.





Quando perdoamos e compreendemos e a lembrança não nos abandona?
Precisamos ressignificar.

É a mãe ou quem fica no lugar dela que ajuda a compor a autoimagem do filho e da filha e tanto para a filha como para o filho, o pai e a mãe possuem papéis diferenciados. E longe de mim querer dizer que pais não têm que educar o filho. É claro que têm! Precisam colocar limites sim!! Os filhos precisam e pedem para que eles digam o que pode e o que não pode. Trabalhei como orientadora de pais de crianças em psicoterapia e ficou evidente que crianças filhas de pais que não dizem não sentem que seus pais não se importam com eles. Como se fossem realmente indiferentes. A indiferença é realmente interpretada como falta de amor ou de amor só por eles mesmos, pais, porque dizer não dá trabalho e sim é, muitas vezes, não querer ter trabalho.

Um recado necessário aos filhos. Aquilo que todo mundo diz vou dizer aqui também porque é a pura verdade. Mãe e pai são gente e não existem pessoas infalíveis. Você, filho, não é infalível e sabe disso. Mãe erra tentando acertar, tentando fazer o seu melhor. Fui criada num tempo em que os pais tinham que ser autoridades. Eu tinha medo dos meus pais e nem acho que eles gostavam disso, mas não souberam fazer diferente. Temos que exercitar o perdão.

Se você chegou até aqui é porque é uma pessoa boa e está tentando ser melhor e também erra quando está tentando acertar, assim como seus pais. Se você não puder perdoa-los também não consegue perdoar a si mesmos porque perdoar aos outros e a si mesmo vem da mesma fonte. E é muito difícil viver assim.

Mas, e quando perdoamos e compreendemos e a lembrança não nos abandona? Precisamos ressignificar. Demorei muito a entender que eu não queria apenas um reconhecimento e quiçá um sorriso da minha mãe quando eu tirei dez. O que ficou faltando foi aprender que nove e meio foi uma ótima nota e quantas e quantas vezes na vida tiramos nove e meio e uau!!! Isso é muito bom! Tirar nove e meio é muito melhor que tirar dez porque o meio que falta impulsiona ao crescimento. Não estou dizendo que deva se instalar um nível de insatisfação insuportável na sua vida. E sim que as pessoas mais criativas são aquelas que conseguem olhar o que está faltando. E criar maneiras de reparar e melhorar e se reconstruir. E sempre falta algo.

– Rosana, você está dizendo que devo ficar olhando para o copo e vê-lo como meio vazio?

– Não. Estou dizendo que temos que olhar para o copo inteiro. Se está meio vazio então a outra metade está preenchida. A realidade é assim. Muitas vezes, uma nota dez pode causar um relaxar, um deixar de buscar. Caminhar o caminho é muito melhor que chegar.

E quantos nove e meio tiro na minha vida sem sofrimento, simplesmente porque sou dedicada? O sofrimento vinha depois, porque precisava buscar o dez, mas que também não ia ficar bom. Essa descoberta foi o que realmente me libertou porque posso pensar diferente da minha mãe. Sou uma outra pessoa. Ela me deu a vida e por isso serei eternamente grata, mas isso não me faz devedora de ser quem não sou. Tenho que reconhecer meus valores e também olhar para o que pode melhorar. Mas de maneira alguma perder a paz e o gosto pela vida. Isso é a mãe também que tem que ensinar, mas só se ela souber.

Crenças limitantes são provenientes de um superego primitivo e nascem do relacionamento mãe-filho

E agora um recadinho para as mães. Não é questão de culpar porque ninguém tem culpa, mas todo mundo tem um grau de responsabilidade. Saibam que as tais das crenças limitantes surgem unicamente da relação mãe-filho. Podem dizer o que quiser, mas nada dito a uma pessoa adulta gera uma crença limitante se já não existir um terreno apropriado para o crescimento de ervas daninhas – as crenças limitantes – criado na relação mãe-filho.

As crenças limitantes são provenientes de um superego primitivo. Todo mundo tem um superego primitivo, a diferença é que para alguns as camadas primitivas são em maior número ou espessura, como uma cebola. Quanto menor o superego primitivo mais saudável será a pessoa e menos crenças limitantes ou nenhuma ela terá.

O que eu quero que você, mãe, saiba é que você tem as suas crenças limitantes herdadas do relacionamento com a sua mãe que herdou do relacionamento com a mãe dela. Examine-se a si mesma. Não torne eterno o que só atrapalha e só faz sofrer. Um filho não vem ao mundo para atender expectativas dos pais. É duro dizer isso, mas é o que é. Filho vem ao mundo para ser uma pessoa com características próprias.

E falando um pouco do empoderamento do título. Empoderar-se não é ficar bonita ou produzida. Isso é uma bobagem, só maquiagem. Empoderar-se é sair de uma situação que te faz sofrer modificada, com um outro significado para as coisas. Ressignificar verdadeiramente algo é ganhar força e poder. E podemos melhorar todos e a cada dia.

Até a próxima!

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